quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Aos vadios, a prisão

Tenho a impressão de que agora o Brasil vai para frente! A cidade de Assis, no interior de São Paulo, descobriu que solução (a qual, aliás, deve ser amplamente seguida e divulgada) para acabar com a criminalidade nas cidades é prender vadio. Quem é apto ao trabalho e está ocioso, tem mais é que ser preso. E não me venham com papinho de dignidade da pessoa humana, a lei está lá e deve ser cumprida.
O artigo 59 da Lei de Contravenções Penais (decreto-lei 3.688/41) que, vale destacar é da década de 40 mas segue atualíssima, define que “entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita, comete vadiagem.” e ponto. Quem é vadio tem que ir para a cadeia, afinal, só não trabalha quem não quer. Triste é que a pena é tão pouca, só de 15 dias a 3 meses, e vadio, como qualquer brasileiro, não desiste nunca. Só tem uma coisa: a cela deve ser exclusiva para os vadios, porque se não for assim, o desocupado vai acabar trocando experiências com seus inúmeros colegas de xadrez e quando sair vai estar graduado na escola do crime, porque você sabe, brasileiro não gosta de estudar (afinal, só não estuda quem não quer), mas na hora de aprender pilantragem é aluno com mérito.
Tirando a ironia, é mais ou menos assim que as autoridades de Assis, endossadas pelo excelente jornalismo da Globo e de outros veículos de imprensa, estão tratando da questão. O prefeito Ézio Spera e o vice João Rosa Silva Filho, ambos do DEM (que surpresa!), bem como o delegado Luiz Antonio Ramão defendem a medida como “política social” para redução da criminalidade no município. Em um mês, 51 pessoas foram autuadas e estão sendo monitoradas pela prefeitura. Quem foi fichado por vadiagem tem um mês para parar de vadiar ou poderá ser preso.
O comandante da Guarda Civil Municipal, José Sepúlveda, comenta que a orientação é de os guardas municipais “patrulharem o município da mesma maneira que vêm realizando. Por isso, não abordamos ninguém de forma aleatória só por estar sentado num banco de praça", esclarece ele. Isso se quem estiver sentado no banco da praça for um branco, bem vestido e com “ares” de não vadio, caso contrário as abordagens serão como as que aparecem na reportagem linkada abaixo (detalhe para o sorriso de satisfação do William Waack). Sepúlveda finaliza informando que a GM continua ajudando no combate à criminalidade e protegendo o patrimônio público, e manda um aviso: "é preciso deixar claro que a GM não sai às ruas atrás de desempregados ou de pessoas que apenas ficam sentadas em praças públicas. Combatemos o crime. Mas isso não significa dizer que iremos permitir a aglomeração de pessoas em via pública sem nenhum propósito e que perturbem o sossego público", lembra ele. Que alívio!
Não bastasse esse dispositivo continuar em vigor mesmo depois da revogação (através da lei 11.983, de 16 de julho de 2009, proposta pelo deputado federal Orlando Fantazzini), do artigo 60 da LCP que punia a mendicância, agora resolvem tirar do baú e aplicar um tipo penal que era previsto no Código Penal do Império, de 1930. A necessidade de revogação desse artigo segue a mesma lógica da alegada na revogação da infração que punia a mendicância: são duas previsões que deixam clara a pretensão de punir aqueles que a sociedade já condena com a fome, o frio e a exclusão social.
Apesar de ter sido pronunciada em 1979, a sentença do juiz Moacir Danilo Rodrigues da 5a Vara Criminal de Porto Alegre é tão recente como qualquer outra, e traz um pouco de luz a essa repugnante “moda” que foi lançada pelas autoridades da cidade de Assis. O juiz afirma ainda que "na escala de valores utilizada para valorar as pessoas, quem toma um trago de cana, num bolicho da Volunta, às 22 horas e não tem documento, nem um cartão de crédito, é vadio. Quem se encharca de uísque escocês numa boate da Zona Sul e ao sair, na madrugada, dirige (?) um belo carro, com a carteira recheada de "cheques especiais", é um burguês. Este, se é pego ao cometer uma infração de trânsito, constatada a embriaguez, paga a fiança e se livra solto. Aquele, se não tem emprego é preso por vadiagem. Não tem fiança (e mesmo que houvesse, não teria dinheiro para pagá-la) e fica preso."
Conforme o juiz, a vadiagem é "uma norma legal draconiana, injusta e parcial" destinada "apenas ao pobre, ao miserável, ao farrapo humano, curtido vencido pela vida. O pau-de-arara do Nordeste, o bóia-fria do Sul. O filho do pobre que pobre é, sujeito está à penalização. O filho do rico, que rico é, não precisa trabalhar, porque tem renda paterna para lhe assegurar os meios de subsistência. Depois se diz que a lei é igual para todos! Máxima sonora na boca de um orador, frase mística para apaixonados e sonhadores acadêmicos de Direito. Realidade dura e crua para quem enfrenta, diariamente, filas e mais filas na busca de um emprego. Constatação cruel para quem, diplomado, incursiona pelos caminhos da justiça e sente que os pratos da balança não têm o mesmo peso."

Aline N. K. Tortelli
Agosto. 09




http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL1253618-5605,00-ASSIS+ENDURECE+ACOES+CONTRA+CRIMES+E+APLICA+LEI+QUE+PUNE+VADIAGEM.html

5 comentários:

Arthur Rotta disse...

bah, não adianta mesmo. o positivismo cego era pra acatar essa revogação. MAs e por que não acata?

A direita defende o legalismo até o fim. A não ser que a lei esteja contra ela, claro, ou contra os interesses dela.

Enquanto o Juiz prende o mendicante, sem base legal, uma quadrilha esta solta no RS.Se diz perseguida e tem espaço de defesa no horário nobre. Mui democrático.

Viva o Direito. E o Pachukanis? Ah, este o stalin sumiu.

Leandro Deon disse...

É ísso aí? Vamos pegar esses "vagabundos" e prendê-los, indiciá-los, julgá-los e condená-los antes de "eles saírem por aí cometendo crimes".

Veja bem, a sistemática é simples: basta ser um pouco mais "escuro" (quanto mais negro, pior é a índole), estar desempregado (afinal, no país das maravilhas = são paulo, só não tem emprego quem não quer né?), andando na rua "sem lenço nem documento" (não vos lembra nada) e pronto, tá feito o marginal.

Que se dane o devido processo legal.

E viva a democracia Demotucana!

infinitoamanajé disse...

Os banqueiros do mundo “contratam” a mídia, que lhes pertence, para repetir e divulgar seus planos de dominação e permanência. Para eles nós somos “coisas” que dão lucros ou prejuízos ao “sistema”, deles...
Sinto muito, sou grato!

Anônimo disse...

Gostaria de receber um esclarecimento do sr Leandro Deon,

E viva a democracia Demotucana?
Acredito que haja outros pertidos políticos no poder,que tb merecem agradecimentos pela "maravilhosa democracia brasileira".

Será que consegue se lembrar de algum?

Unknown disse...

Vadiagem... Isso da uma cadeia.....
pois é... o duro dessa injustiça é o fato de todos nos estarmos de braços cruzados....